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quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Olhão Há 100 Anos

Em 1920, o Avô Xico e a Avó Cebola já namoravam. É certo que em Lisboa, o Bisa Francisco e a Bisa Joanna Baptista preparavam o casamento entre a Tia Amélia e o Tio João da Marta mas sabiam que o próximo enlace seria entre os nossos avós. 
Nessa época, Olhão fervilhava de vida e dinamismo económico. Espreitemos, pois, pela porta da História e vejamos como era a nossa Rua das Lojas nos anos 20 do século passado.

Rua do Rosário, no início do século XX

A Rua do Comércio já se chamou Rua do Rosário, mas os olhanenses sempre se lhe referiram como Rua das Lojas.
Nasceu com um traçado estreito que ligava os bairros ribeirinhos ao largo da Igreja Matriz e foi, desde sempre, um eixo urbano da maior importância não só por acolher a maior parte da vida comercial como também por alojar as instituições públicas que foram sendo criadas na vila. Testemunha da sua importância é o facto de ter sido a primeira rua a ser calcetada em 1838.
 
No início do século XX, o dinamismo da Vila de Olhão reflectia-se na Rua das Lojas: escritórios de advogados, médicos e de empresas conviviam com estabelecimentos comerciais variados que incluíam alfaiates, ourivesarias, camisarias, drogarias e ferragens, sapatarias, cafés e outros. A rua era, toda ela, "um mostruário de Olhão, da sua maneira de viver e sentir".
 
 
 
O movimento era intenso, as carroças que transportavam o peixe do cais, para fábricas espalhadas pela vila, faziam por ali o seu caminho de ida e volta [...]
Por outro lado, muitas pessoas montadas nos seus burricos, vinham ali fazer compras, e os animais ficavam à porta, enquanto os donos se aviavam nas lojas.
Em todo este bulício, uma nota constante. Era o matraquear dos socos e dos cloques [...].
Lá estava o Balance, a vender cereais, as favas e as ervilhocas, e do outro lado quase em frente, uma pitoresca casa onde uma senhora vendia pagelas religiosas, sanguessugas, repolhos, ervas para curar as mais diversas mazelas e no tempo próprio, ali apareciam melões e melancias, expostas à porta. Era a loja da Mariazinha do Albino. 
De lembrar ainda a casa de fazendas do senhor Joaquim da Silva Nardo, que no fundo do estabelecimento, tinha um pipo de vinho, onde reunia os amigos para cavaquearem e beberem uns copos.
Podia-se ver a mercearia do José Ventura, moderna, asseada de luxuosa apresentação, onde as pessoas do campo não ousavam entrar.
Podíamos espreitar a barbearia "Chic", do Justino Abeilardo, conhecido pela alcunha de "Pai do Céu", anunciando no "Correio Olhanense" que a sua casa era a mais higiénica e luxuosa de Olhão e a única que tinha "Cadeiras de Sistema Americano". E já agora, para desespero daqueles que hoje têm que ir ao barbeiro, informamos que este símbolo de modernidade e asseio, cobrava por cada barba oito tostões, lavagem da cabeça dez tostões, e corte de cabelo e barba, dois escudos e cinquenta centavos.
Logo de manhã, viam-se as criadas com o seu cesto na ida ou vinda dos mercados das verduras ou do peixe. O ruído das ferraduras dos burros, misturava-se com o pregão de alguns vendedores, e as vozes das vendedoras de figos e de mel, numa colorida gritaria.
Os comerciantes de roupa feita, à falta de montras, dependuravam à porta e às janelas, as capas, os fatos e as carapuças.
Outros mais ousados, para chamarem a atenção, como fazia a Casa Brasil, ligavam um altifalante ao gramofone, e espantavam o público com esta novidade revolucionária.
Ali apareceu a primeira tabuleta luminosa, e coisa incrível, uma coisa mesmo mágica, um outro apresentou um "placard" luminoso onde se podiam ler as notícias do dia.
Da parte da tarde este rumor, esmorecia um pouco. Era a hora de as senhoras saírem à rua para passear e ver o que havia de novo nos estabelecimentos das modas. Entrava-se nos Armazéns do Chiado ou na Casa Africana para ver as últimas novidades ou os novos tecidos, ou ía-se à Sapataria Elite[...].
Espreitava-se o Atelier Moderno, onde por um preço módico, se podia transformar ou tingir os chapéus, ou comprar o último modelo, cópia fiel de aquilo que se estava a usar em Paris.
O tempo fez calar o barulho dos socos e das chalocas.
Citação retirada de:
"Olhão e Abílio Gouveia", João Villares

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