Em 1920, o Avô Xico e a Avó Cebola já namoravam. É certo que em Lisboa, o Bisa Francisco e a Bisa Joanna Baptista preparavam o casamento entre a Tia Amélia e o Tio João da Marta mas sabiam que o próximo enlace seria entre os nossos avós.
Nessa época, Olhão fervilhava de vida e dinamismo económico. Espreitemos, pois, pela porta da História e vejamos como era a nossa Rua das Lojas nos anos 20 do século passado.
Rua do Rosário, no início do século XX |
A
Rua do Comércio já se chamou Rua do Rosário, mas os olhanenses sempre se lhe
referiram como Rua das Lojas.
Nasceu
com um traçado estreito que ligava os bairros ribeirinhos ao largo da Igreja
Matriz e foi, desde sempre, um eixo urbano da maior importância não só por
acolher a maior parte da vida comercial como também por alojar as instituições
públicas que foram sendo criadas na vila. Testemunha da sua importância é o
facto de ter sido a primeira rua a ser calcetada em 1838.
No
início do século XX, o dinamismo da Vila de Olhão reflectia-se na Rua das
Lojas: escritórios de advogados, médicos e de empresas conviviam com
estabelecimentos comerciais variados que incluíam alfaiates, ourivesarias,
camisarias, drogarias e ferragens, sapatarias, cafés e outros. A rua era, toda
ela, "um mostruário de Olhão, da sua maneira de viver e sentir".
O movimento era intenso, as carroças
que transportavam o peixe do cais, para fábricas espalhadas pela vila, faziam
por ali o seu caminho de ida e volta [...]
Por outro lado, muitas pessoas
montadas nos seus burricos, vinham ali fazer compras, e os animais ficavam à
porta, enquanto os donos se aviavam nas lojas.
Em todo este bulício, uma nota
constante. Era o matraquear dos socos e dos cloques [...].
Lá estava o Balance, a vender
cereais, as favas e as ervilhocas, e do outro lado quase em frente, uma
pitoresca casa onde uma senhora vendia pagelas religiosas, sanguessugas,
repolhos, ervas para curar as mais diversas mazelas e no tempo próprio, ali
apareciam melões e melancias, expostas à porta. Era a loja da Mariazinha do
Albino.
De lembrar ainda a casa de fazendas
do senhor Joaquim da Silva Nardo, que no fundo do estabelecimento, tinha um
pipo de vinho, onde reunia os amigos para cavaquearem e beberem uns copos.
Podia-se ver a mercearia do José
Ventura, moderna, asseada de luxuosa apresentação, onde as pessoas do campo não
ousavam entrar.
Podíamos espreitar a barbearia
"Chic", do Justino Abeilardo, conhecido pela alcunha de "Pai do
Céu", anunciando no "Correio Olhanense" que a sua casa era a
mais higiénica e luxuosa de Olhão e a única que tinha "Cadeiras de Sistema
Americano". E já agora, para desespero daqueles que hoje têm que ir ao
barbeiro, informamos que este símbolo de modernidade e asseio, cobrava por cada
barba oito tostões, lavagem da cabeça dez tostões, e corte de cabelo e barba,
dois escudos e cinquenta centavos.
Logo de manhã, viam-se as criadas
com o seu cesto na ida ou vinda dos mercados das verduras ou do peixe. O ruído
das ferraduras dos burros, misturava-se com o pregão de alguns vendedores, e as
vozes das vendedoras de figos e de mel, numa colorida gritaria.
Os comerciantes de roupa feita, à
falta de montras, dependuravam à porta e às janelas, as capas, os fatos e as
carapuças.
Outros mais ousados, para chamarem a
atenção, como fazia a Casa Brasil, ligavam um altifalante ao gramofone, e
espantavam o público com esta novidade revolucionária.
Ali apareceu a primeira tabuleta
luminosa, e coisa incrível, uma coisa mesmo mágica, um outro apresentou um
"placard" luminoso onde se podiam ler as notícias do dia.
Da parte da tarde este rumor,
esmorecia um pouco. Era a hora de as senhoras saírem à rua para passear e ver o
que havia de novo nos estabelecimentos das modas. Entrava-se nos Armazéns do
Chiado ou na Casa Africana para ver as últimas novidades ou os novos tecidos,
ou ía-se à Sapataria Elite[...].
Espreitava-se o Atelier Moderno,
onde por um preço módico, se podia transformar ou tingir os chapéus, ou comprar
o último modelo, cópia fiel de aquilo que se estava a usar em Paris.
O tempo fez calar o barulho dos
socos e das chalocas.
Citação retirada de:
"Olhão e Abílio
Gouveia", João Villares