CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO TIO JOÃO BÚZIO

domingo, 25 de setembro de 2011

O Filho mais velho - Tio Xico


Conheci-o em 1961, quando ele foi para Matosinhos. Tinha cerca de quarenta. Baixo, entroncado, de rosto vincado e moreno, e às vezes usava chapéu, acessório ainda comum nos homens na década de sessenta. Dessa época não me lembro de muitas coisas dele, pois não tinha a ligação que tinha com os outros tios, provavelmente porque era mais velho e não tinha as brincadeiras com os miúdos que os irmãos tinham.
Lembro-me mais  dos anos posteriores, quando vínhamos a Olhão passar uns dias, em Maio. Invariavelmente, quando chegávamos era a casa dele, na Almirante Reis, 117, que íamos primeiro. Curioso pensar agora, a esta distância de tempo, sobre algumas das coisas vividas em primeira mão, aqui na minha terra.  Eu tinha seis anos quando os meus pais resolveram fazer a primeira visita à terra natal, depois de terem ido para Matosinhos, e, quando cá cheguei, a maneira de falar das pessoas era-me totalmente desconhecida e até mesmo incompreensível, mas ao mesmo encantadora. E uma das pessoas que eu pasmava a ouvir falar era o Primo Miguelito. Para mim era como se ele cantasse a falar. Recordo que quando voltei para casa, levei dias a imitá-lo, para grande divertimento do meu pai. Outra vivência em primeira mão com o Tio e família  foi conhecer a Ilha da Armona. E por fim,  aquela coisa espantosa que era  comer uma carapinhada na esplanada da Gelvi, ao som da “Chiquita Banana” que brilhava num inimaginável ecrã ao ar livre! Bolas! Bons tempos! Grandes tempos!
O Tio Xico era casado com a Tia Lucinda, mulher alta e magra, cuja mãe, pequenina, tinha um sentido de humor apurado, sempre pronto para uma piada ou anedota.

No início de casados, os meus pais chegaram a partilhar uma casa com os Tios, no Beco do Nobre. Nessa altura já havia o Primo Xiquezinhe, nascido em 1944 e a Prima Esterinha, nascida em 1948. Depois, em 1954 nasceu o Primo Miguelito, e por fim em 1957, nasceu a Maria José, mas que só é conhecida por  Prima Zéa.
O Primo Xiquezinhe estudou em Faro, casou com a Prima Betinha e teve três filhos: a Ana, o Paulo e o Mário.
A Prima Esterinha, uma das caras mais bonitas da família da segunda geração, casou com o Primo Zé Manel,  e teve a Ana Paula e o Cláudio. Infelizmente, deixou-nos cedo de mais, em 1991.
O Primo Miguelito aprendeu a arte de trabalhar o mármore. Casou com a Prima Cidália e é pai da Prima Sandra e do Primo Miguel.
A Prima Zéa casou com o Primo Ilidinho e teve o Primo Ilídio e o Primo Nuno. Acrescento aqui que a Prima Zéa era a minha companheira de andanças quando cá vinha em férias, e depois mais tarde, quando morei em casa do Tio Márim. Éramos quase da mesma idade (tenho mais um ano que ela) e as amigas dela passaram a ser minhas também, nessa altura. Agradava-me esta prima pelo sentido de humor e desembaraço parecidos com o meu. Aliás o sentido de humor foi sempre o apanágio desta grande família dos Avós.
Quando regressei de vez a Olhão, lidei mais de perto com o Tio Xico e Tia Lucinda e confirmei a boa impressão que sempre tive deles.
O Tio Xico deixou este mundo em Março de 2000 e a Tia Lucinda juntou-se-lhe em 2007.

sábado, 3 de setembro de 2011

O Único Genro

Os Avós tiveram um único genro – o Tio Manuel Viegas – e esse facto fez dele mais um filho a juntar aos outros.
Conheci-o já assim, isto é, já bem entrado nos quarenta:

Era um homem de fala enrolada, mas culto e que falava crioulo (a língua de Cabo Verde) fluentemente. Gostava de poesia e até é capaz de haver por aí alguns dos poemas feitos por ele, em crioulo, que eu li há mais de trinta anos.
Era muito guloso, especialmente para as rabanadas do Natal. Por entretenimento, chegou a fazer algumas fainas de mar no barco do meu pai, protagonizando algumas brincadeiras e partidas que encarava sempre com boa disposição. Tinha uma particularidade única: embora o fizesse com bastante frequência, a ida ao barbeiro para cortar o cabelo era sempre um pesadelo – o barulho da tesoura nos cabelos provocava-lhe uma impressão enorme, às vezes quase doentia, que o deixava de mau humor (creio que era essa a única vez que tinha mau humor).
Nascido em 20 de junho de 1929, era um dos sete filhos (só masculinos) de José Viegas Cava e de Natividade Bonança. Cedo ficou sem os pais e por influência do meio-irmão mais velho, o Comissário Luciano Cava, entrou para a Polícia de Segurança Pública.
Casou com a Tia Necas no dia 23 de Fevereiro de 1957 e no início dos anos 60 foi para Luanda e mais tarde para Cabo Verde, onde integrou o corpo da PSP que fazia serviço no Campo do Tarrafal, na ilha de Santiago – antiga prisão política.
Aí conheceu Luandino Vieira e o respeito mútuo fez com que este grande nome das letras Angolanas lhe oferecesse o rascunho do seu primeiro livro de contos, produzido na prisão, escrito à máquina e encadernado com capas feitas das caixas de papel químico “Kores”.
Com a queda do Regime, o regresso de África foi inevitável. Foi então colocado em Lisboa, na esquadra das Mercês, no Bairro Alto, em Lisboa.
No final dos anos setenta veio para a esquadra de Olhão, como subchefe. Reformou-se nos anos oitenta. Faleceu no dia 23 de Fevereiro de 1992, aos 63 anos, no dia em que celebraria 35 anos de casado.