Posto que já recuperámos o fôlego depois do post anterior, continuemos com o Avô Xico.
Era conhecido por Xico Búzio. Tal alcunha não sei onde teve origem. Provavelmente já a traziam de Lisboa, pois que os outros irmãos assim também eram conhecidos. E a alcunha passou aos filhos, que eram conhecidos como Búzios. Demais, essa alcunha era tão intrínseca aos filhos, que trago à conversa este exemplo:
O meu pai, João, conhecido por João Búzio, foi chamado pela capitania do Porto de Olhão para fazer exame para a carta de Mestre Arrais. O carteiro encarregado de distribuir o correio na zona do Largo da Feira tinha uma carta endereçada a “João José André, morador na Travessa do Matadouro, nº17” e, como não conhecia este destinatário nesta morada, andou intrigado dois ou três dias. Sem poder reter a carta por mais tempo, lembrou-se de perguntar à Avó Cebola se conhecia aquele nome, pois que a morada sabia que era a dela. Então não é que a nossa avó afirmou desconhecer aquele nome e que se calhar a morada estava mal. O que valeu foi que a minha mãe, apercebendo-se da conversa com o carteiro, veio desfazer a dúvida deste e lá levou a carta para o meu pai. Ah! Ti Cebola, que sempre foste única!
Voltemos ao Avô. Cedo deixou de governar a vida nos galeões. Saltando entre Lisboa e Olhão, não apostou nem acertou numa vida de desafogo e os filhos foram chegando. Por orgulho, não aceitou a ajuda dos pais da Avó Cebola ( que viviam bem, muito bem mesmo).Teve um botezito e com ele fazia as fainas junto à costa ou dentro da Ria. O meu pai foi para o mar por volta dos seis anos e creio que o mesmo aconteceu com os irmãos, se não com todos, pelo menos com os mais perto em idade ( Tio Xico e Tio Manel). Depois , os filhos iam vender o peixe pelas ruas da Vila. Quando os filhos mais velhos casaram, foram os seguintes que angariaram o sustento da prole em conjunto com a Avó, já que o Avô era um homem doente. Sofria de asma.
Talvez devido a essa dependência, o Avô contrariou sempre os talentos dos filhos. Lembro aqui o meu pai, que chegou a frequentar a escola em Lisboa e quando a família veio para Olhão, teve que esquecer os livros entre os remos e as poitas do barco; ou o caso do Tio Russo, que tinha uma voz extraordinária e que ainda pensou fazer as audições para a antiga Emissora Nacional (era assim que começavam os cantores e músicos em Portugal), mas que foi derrotado pela firme recusa do pai.
O Avô era, efectivamente, um homem de horizontes curtos, e, pelo que sei, muito crítico em relação a tudo e a todos. Mas, por ser tão gregário, era muito chegado aos filhos. Em tempo de alguma fartura de peixe, nunca vinha da praça sem o lenço carregado de bolos para os mais novos. Aliás, o Avô gostava muito das crianças da família. Todos os filhos tinham alcunhas específicas consoante as suas características: o Xico era o quarteireiro, pela queda que tinha pelas camisolas aos quadrados (geralmente eram os tecidos mais baratos), o João era o cavalo raio, porque era muito rápido a ir fazer os mandados, o António era (vá lá saber-se porquê!) o Diogo Alves, o Russo era o sangue branco, pela brancura da pele e pelo cabelo loiro, que aliás lhe valeu não uma alcunha mas um segundo nome, o Celestino ficaria sendo sempre o menino, porque foi o último e o que ocupou a cama dos pais por mais tempo.
E se comecei por falar da alcunha da família é com alcunhas que termino.