CENTENÁRIO DO CASAMENTO DO AVÔ FRANCISCO VIEGAS COM A AVÓ BIBIANA DA CONCEIÇÃO

sábado, 25 de junho de 2011

Os Avós – Infância, Adolescência e Juventude

O Avô Xico passou a infância e adolescência em Lisboa, muito provavelmente a viver na zona ribeirinha de Pedrouços, pois que aí moravam os irmãos dele (setenta anos depois ainda lá morava a Prima Elvira, sobrinha do Avô) e para aí foi morar quando casou com a Avó Cebola. Seria aí que nasceria o primeiro filho do casal e, mais tarde haveria de nascer o Tio Manel . O meu pai, Tio João, foi para lá com poucos meses e lá haveria de andar na escola. Ao que parece a idas e vindas de Lisboa foram uma constante na vida do casal e só pararam com o nascimento da Tia Necas. O Avô Xico era aprumado. A fotografia dele de fato, com gravata e alfinete e completado com corrente no colete, mostra que tinha o que vestir.
A Avó Cebola passou a infância e adolescência aqui em Olhão. Foi à escola oficial. Sim, a Avó sabia ler e escrever. Ainda me lembro da sua letra nas cartas: aguda, levemente inclinada para a direita, com a grafia anterior a 1911: dois”t”, terminações em “ez” e “eza”, “i” em vez de “e”, “aes” em vez de “ais” (no plural), “Mattozinhos” em vez de “Matosinhos” , entre outras palavras. Era divertida e tinha boa voz. Foi dela que veio a nossa veia para as cantorias.
Pela data de nascimento do Tio Xico, e sabendo que antes dele já tinha havido um primeiro filho (ver fotografia)  os nossos Avós devem ter-se casado por volta de 1920.
Como se conheceram? Não é difícil imaginar: tendo os pais da Avó o negócio do aviamento dos marítimos, é de calcular que o Avô, andando ao mar, lá se fosse aviar também e conhecesse a filha mais velha do casal da loja.
Os primeiros anos de casados não devem ter sido maus a avaliar pela fatiota do primeiro filho: verdadeiramente um vestido de batizado de gente da classe média. Também a fotografia do Tio João, nu, sentado num sofá forrado, de um fotógrafo lisboeta, é prova de que as coisas não corriam mal.
Lembro-me de a Avó contar que uma das vezes que veio de Lisboa, os vidros e as loiças tinham vindo em arcas, embrulhadas em papel de seda.
Também o meu pai se lembrava bem da, digamos, raiva que sentira quando se mudaram para Olhão e de não ter aqui as condições que tinha em Lisboa, a começar pela ausência da escola, e como a dureza da vida o atirara para a faina do mar.
Porém, não se pense que esta inconstância na vida familiar era só produto da hesitação ou conflito pessoal do Avô. Não.
No início do século vinte, Portugal era um país politicamente desorientado , economicamente pobre e culturalmente atrasado. Os anos do pós- I Guerra foram muito difíceis e culminaram com a Grande Depressão, fenómeno de grave crise económica, iniciada nos Estados Unidos mas que depressa se alastrou ao Mundo inteiro, abalando de forma trágica os países pobres.
Portugal foi um deles.

domingo, 12 de junho de 2011

A avó Cebola – Parte II – Os Pais

A nossa avó Cebola foi uma criança posta na Roda dos Enjeitados na Misericórdia de Olhão.
Nasceu em 1897, mas foi registada na Roda em 1898.
A avó foi registada como Bibiana da Conceição. Assim o eram todas as meninas postas na Roda da Misericórdia. Algumas mantiveram  contacto pela vida fora e registo aqui dois desses contactos: a nossa  avó levava por primos o casal Guerreiro, que tinha uma casa de roupas na Rua do Comércio (agora aquilo pertence aos filhos e noras); ora essa primandade advinha do facto da esposa do senhor Guerreiro ter sido também uma menina da Roda, de nome Bibiana da Conceição, e ter mantido o conhecimento com a Ti Cebola. Uma outra senhora a quem chamava prima era a Tia Conceição Caixinha (por coincidência mãe de uma tia minha, mas materna), que também era Bibiana da Conceição e era menina da Roda do tempo dela.
Como se percebe, nesse tempo ninguém ficava traumatizado por ser adoptado. Era uma condição social, que beneficiava adoptados e famílias adoptandas. Eram muitos os casos aqui em Olhão. Quem nunca ouviu falar dos Calhabanas (avôs e tios desses que vendem peixe no mercado)? Esses irmãos e irmãos (quase vinte!)eram todos adoptados pelo mesmos casal, e mantiveram pela vida fora o vínculo de irmandade.  
Como mais tarde ela própria reconheceu (numa situação que depois logo contarei),  a avó Cebola era filha ilegítima de um senhor abastado (primo do Dr. Reis) que morava na Rua Teófilo Braga (Rua das traseiras da Câmara Municipal) e de uma criada de servir (creio que de Quelfes). A filha e a sobrinha desse senhor faleceram nos anos oitenta, solteiras e sem descendência. Ambas eram pessoas cultas e educadas que juntavam aos seus rendimentos os proveitos das aulas de piano. A filha, D. Conceição, era madrinha de casamento da minha sogra. Ainda a conheci e os seus traços fisionómicos eram muito semelhantes aos da nossa avó: rosto comprido, nariz volumoso e cabelo encrespado. Estes traços de raiz africana deram-lhes o apelido de “mulatas”, pois que, efectivamente, o pai era mulato ou cabrita.
Contava a minha mãe que um dia, indo ela e a avó na rua das lojas, cruzaram-se com uma mulher e a avó cumprimentou-a sem grandes alaridos. Era a mãe verdadeira da avó. Sim, a nossa avó Cebola sabia quem era a mãe e conheci-a. Mas, pelos vistos a sua relação com ela não passava do cumprimento formal.
Foi a avó Cebola adoptada por um casal, João Sebastião (conhecido pelo Caga Sangue) e Maria da Conceição. Confirmado pela prima Rosa, o casal tivera cerca de dezoito filhos, mas nenhum sobrevivera, quer à nascença quer na primeira infância. Então decidiram ir à Roda buscar uma criança que desse continuidade à família, na perspectiva de segurar o negócio de que eram proprietários. Assim veio Bibiana da Conceição, menina saudável, ocupar um lugar de destaque numa casa abastada. Contava a avó que, nas visitas mensais que era obrigada a fazer à instituição que a tinha recolhido, era sempre a mais bem vestida e apresentada, pelo que a mãe adoptiva recebia uma verba oficial (10 vinténs).
Este casal tinha uma venda em frente ao mercado da fruta: além da taberna, vendiam batata doce assada e tinham carros de mula para transporte de mercadorias. Para a época, início de 1900, era uma visão muito vanguardista do marketing comercial que viria a produzir, 70 anos depois, os supermercados! Numa altura em que Portugal era menos do que um país periférico, tal o seu fraco desenvolvimento económico, uma família ter estes proventos era muito significativo!
Dez ou doze anos, esteve a avó Cebola sozinha com estes pais adoptivos. Durante a Primeira Grande Guerra é que nasceram as duas filhas, que se conservariam vivas até idade avançada.

Fica assim composta a árvore mais próxima da avó:

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A avó Cebola – Parte I – A Roda

Todos sabemos que a nossa Avó Cebola era enjeitada.Então vamos lá saber o que era isso:
No século XVIII, os conventos, Misericórdias e asilos recebiam crianças abandonadas pelas famílias. Sendo, na sua maioria, crianças indesejadas, fruto de relações ilegítimas ou até mesmo ilegais, eram abandonadas em grande segredo nessas instituições. Para isso havia um dispositivo rotativo, uma espécie de berço giratório, colocado nas paredes contíguas às portas principais. A mãe, pela calada da noite, com a cabeça e o rosto cobertos e com o filho bem embrulhado, pousava-o na "roda", pelo lado de fora, fazia-a rodar de modo a passar para o interior, e sem qualquer contacto com alguém, tocava uma campainha e desaparecia de seguida. Alguém do lado de dentro, ao soar a campainha vinha de imediato buscar a criança absolutamente anónima. A janela mantinha-se assim sempre fechada, com a abertura do tambor para fora ou para dentro, podendo ser rodada quando se fizesse girar a base (Roda).A mãe, evidentemente nunca poderia vir a reclamar a maternidade e a instituição (Misericórdia) assumia a educação das crianças ou garantia a sua adopção. Ninguém via, ninguém sabia a origem do menino ou menina. Era a chamada Roda dos Enjeitados. De tanto ser usada, a roda acabou por se tornar legítima chegando a ser oficializada nos finais do século XVIII e a receber a designação de Roda dos Expostos ou dos Enjeitados. O intendente geral da Polícia do Reino, Pina Manique, reconheceu oficialmente a instituição da roda através da circular de 24 de Maio de 1783, com o objectivo de pôr fim aos infanticídios e acabar com o horroroso comércio ilegal de crianças portuguesas na raia, onde os espanhóis as vinham comprar. A Roda dos Enjeitados passou a existir em todas as terras, vindo a perder a sua importância e uso com o advento do Liberalismo em Portugal, na primeira metade do século XIX.
No entanto, as desilusões, os acasos e as situações sociais nem sempre se resolvem por decreto e a Roda dos Enjeitados continuou a existir, de facto, até à primeira década do século vinte.

domingo, 5 de junho de 2011

A Avó Cebola

Falar da nossa Avó Cebola é como reunir os elementos para um argumento de filme ao melhor estilo: temos a criada de servir, rapariga nova vinda do campo para mudar de vida; um patrão, novo e casado, bem  parecido e socialmente bem enquadrado; uma criança, resultado de um momento carnal bem sucedido; e uma família de acolhimento, abastada e afectiva. Fim da primeira parte. Intervalo. A criança cresce imune à pobreza, torna-se uma jovem alegre e desanexada de problemas; casa-se numa família de bons princípios mas o marido, jovem honrado e íntegro, tem dificuldades em  encontrar o lugar certo do desafogo à medida que os filhos vão chegando. A Jovem esposa faz-se adulta e mãe trabalhadora de uma prole considerável, mas não perde a alegria e o sentido positivo da vida. Tem um casamento harmonioso que só termina com a morte do marido. Ela continua pela vida, amparando uma filha cujo destino lhe pregou uma trágica partida. Morre velha, rodeada pela imensa família a que deu origem. Fim.
A realidade ultrapassou a ficção. A vida da nossa adorada Avó Cebola foi mesmo assim. Passemos ao relato real.